Jean-Michel Basquiat: sua condição de artista marginal


Capítulo 2




Sua condição de artista marginal       


          Jean-Michel Basquiat é o tipo de artista cujo entendimento de sua biografia é essencial para o entendimento de sua obra, já que ela inclui autobiografia, questões raciais, cultura popular e simbologia que nascem justamente de seu contato com o mundo. 

            Basquiat teve uma educação erudita, era de família de classe média, falava fluentemente inglês, francês e espanhol, desenhou desde muito cedo, era interessado em literatura e ópera, mas também em quadrinhos e hip-hop. Negro, filho de haitiano e porto-riquenha, traz consigo diversas identidades culturais. Uma das questões fundamentais — o questionamento a respeito de quanto ele sabia da história da arte — pode ser verificada aqui: sua mãe o levava desde muito cedo para visitar museus e Jean-Michel conhecia as obras de Picasso, Dubuffet, Cy Twombly, Jackson Pollock. 



Era autodidata, ia aos museus, comprava os catálogos e os copiava… assim foi desenvolvendo suas próprias técnicas (já que nunca teve aulas sobre “como fazer arte”). Seria uma forma de aprender arte, sem ao mesmo tempo deixar de pesquisar as suas — e novas — possibilidades sobre papel e outros suportes. Além de conhecer bem obras tão diversas quanto as de Andy Warhol e Leonardo da Vinci, Basquiat absorveu influências de outros artistas e mantinha-se a par do que acontecia no mundo da arte, entretanto, a figura de marginal sempre foi assimilada mais facilmente pelo senso comum, ou melhor cooptada pelos interesses do mercado de arte. 


Por outro lado, Basquiat teria ele mesmo optado pela condição de “artista marginal” — já que devido ao ambiente familiar desagregado e violento, passou a morar nas ruas. Encontramos em Baudelaire o “flâneur”[4], a figura que se esconde na massa, que seria um antissocial invertido e que tanto quanto ele, não deixa de se esconder, mas enquanto faz isso, absorve tudo a sua volta. O artista fazia reivindicações pela liberdade de expressão (remetendo inclusive ao “liberty” do trabalho acima descrito, “In italian”), ao olharmos sua obra, logo fazemos associações, e somos levados aos dramas sofridos. Além de sua bagagem cultural, podemos acrescentar a influência da rua, o graffiti. Geralmente o graffiti é em si uma forma de protesto, um outdoor onde você não paga por sua exibição e a única certeza é a de que ele está ali para dizer algo, seja com teor político, religioso, autopromocional ou erótico por meio da pixação de signos, palavras ou frases, e mesmo que isso signifique nada para o transeunte.

            
Uma marca característica de Jean-Michel, sua identificação no início de carreira, foi a pixação SAMO (imagem 11)— same old shit —, seu codinome e de Al Diaz — grafiteiro que fazia dupla com Basquiat. A existência de uma alcunha para o “artista” é uma característica dessa expressão artística — o graffiti.
            
            Interessante observar o quanto a obra de Basquiat propõe o diálogo com o mundo pop e como é perfeitamente compreensível que uma artista que também adotou um codinome — Boy Toy — e que também viveu nas ruas, como Madonna (imagem 10), tenha sido companheira de Basquiat por um breve período.
            
           Encontramos a definição de Norman Mailler para graffiti como “...uma rebelião tribal contra a opressora civilização industrial...” (www.itaucultural.org.br), mas o mesmo pode ser visto também como anarquia, simplesmente, sem qualquer função ou finalidade que não seja a violação de regras, como destacou Greenberg: “...o grafite e os rabiscos na parede e nas calçadas [...] são produzidos como gestos, sem intenção de produzir arte ou interesse em qualquer outra coisa que não seja a afirmação e comunicação direta...” (1996, p. 142.). 

        Bonito Oliva diz que: “O ‘grafitismo’ é um fenômeno típico das grandes cidades americanas, habitadas por minorias de cor, que se exprimem por meio de um código extremamente sintético, que, paradoxalmente, deriva das vanguardas históricas: futurismo, dadaísmo e surrealismo.” (1998, p. 60). É por meio dessa linguagem que se concretizam em seus trabalhos muitas referências da rua: a presença de carros, prédios, aviões, vassoura, caixas, armas — uma herança de sua vivência diária nas ruas. O fato de estar na rua ofereceu-lhe uma forma muito diferente de “fazer arte”: ao mesmo tempo em que conhecia a dita “arte erudita”, estava também em contato com a “arte urbana”, e o graffiti parece reunir essas esferas. 


[4] Figura marginal da sociedade urbana descrita por Baudelaire.

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